O moscardo Português
Introdução pré-genérica
Triceratops girava a toda a velocidade no seu foguete “Vigoroso” . Apesar de ser um moscardo octópode de mais de cem Kilos continuava a têr orgulho em ser português. Um orgulho de carácter mais mitológico do que qualquer outra coisa mas ainda assim uma marca de identidade da qual não se podiam reclamar ziliões de insectropoides iguaizinhos ums aos outros, num mundo cada vez mais dominado por uma só ideologia, cada vez mais uniforme. Os seus lemes da cauda tuinham sido desrtuidos pelos canhões de protões inimigos na guerra televisionada de Portugal contra o resto do Mundo e ele tinha urgentemente que parar para fazer reparações e comer. O desespero e o mau estado da nave tinham-no levado a uma galaxia moribunda, cujas estrêlas agonizavam e tinha o pressentimento de que não faltaria muito tempo para uma vaga de anti-matéria implodir aquele mundo. De repente, os sensores detectaram uma estrutura flutuante numa área próxima. Iniciou prontamente os preparativos para uma aproximação ao objecto. Obteve em segundos contacto visual. Tratava-se, aparentemente, de uma arcaica estação espacial, de antes da Grande Fusão, no tempo em que tanto Portugal como o Resto do Mundo eram ocupados por seres humanos e extra-terrestes de origem oriónica. Nessa altura O resto do Mundo estava ainda sub dividido em países e planetas administrativamente separados, a quem os portugueses, do alto da sua sapiencia milenar, chamavam “Estrangeiro”. Separou a cápsula do corpo principal da nave e introduziu-se naquilo que parecia ser uma garagem de reparação de naves espaciais. Maravilhou-se com a concepção rudimentar dos aparelhos, cobertos por pó espacial velho de de dezenas de milhares de anos. Conseguiu chegar ás portas de descompressão e ambientação e, finalmente tirou o capacete.
Era um moscardo relativamente novo. Tinha acabado de fazer 444anos e ainda tinha bastante pilosidade á volta das antenas. Apesar de ser mais de 90% insectomórfico, adorava femeas sapiens e o mundo dos mamíferos em geral fascinava-o. Tinha na sua colmeia um poster da Florbela Queirós e quatro da Ana Malhoa mas não sabia exactamente o que aquilo queria dizer nem o que fazer com as poucas fémeas puramente humanas que ainda se iam encontrando, tão frágeis que pura e simplesmente rebentavam nas pontas das suas patas á minima caricia.
Verificando a nave, determinou tratar-se de uma espécie de museu gigantesco, de um labirinto composto por uma miriade de salas formando uma espiral. Contemplou as obras de arte de Picasso, Orgasmo Carlos, os paineis de Nuno Gonçalves. Apoderou-se de algumas latas de “merde d’artiste” e refastelou-se numa prateleira a comer. A merda estava em óptimo estado, apesar de enlatada na pré-história. Puxou do comando de um hologramador e premiu ao acaso o botão. Imagems confusas iam e vinham, repetiam-se até se estabilizarem. O audio do documento estava em português arcaico e parecia ser uma reportagem sobre um personagem do ano 9657, um Português humano, inspector de uma Policia da Pátria de tempos idos. O disco mole estava bastante danificado, mas mesmo assim ainda havia uma enorme porção intacta, mais ou menos a partir de um terço do documento. Afinou as suas centenas de olhos para examinar o holograma e um prazer indefenido, torpe e embriagador tomou posse das suas glândulas. “Mas isto é um filme de aventuras ou um documentário?”. Lia agora em letras garrafais ao som de uma orquestra tocando música de acção peripatética:
Luis Mendonça e as mulheres canibais
Episódio I — A rotina colonial
Mátinho nunca percebeu porque é que a sua vida afectiva corria tão .mal. Desde piccolo á procura de um ser que lhe desse amor até perceber qu e o seu próprio subterrâneo mental nada tinha já a ver com mel e ursinhos de peluche. O seu primeiro amor foi a princípio completamente do mais bonito que há. Quando se deu o primeiro enlace e compreendeu que a rapariga até gostava dele embebedou-de com o ambiente mágico do liceu e pedalou em fofas nuvems durante dias. Quando o efeito terminou e alguém (ou Deus, ou ele próprio) lhe retirou as nuvems debaixo dos pés, numa noite em que a sua amada pela primeira vez chorou,não se sabe bem porquê, por nada, a desorientação, primeiro, e a culpa , depois , fizeram-no continuar com a rapariga tanto tempo que começõu a gostar dela, mas já era tarde. Sim, demasiado tarde. Já tinha feito tanta merda ( o que até é normal naquela tenra idade e sobretudo numa cabeça oca sempre á procura de cumes nevados como a do nosso herói), que era difícil evitar a cruel traição de Mirita, a Negra. Surpreendentemente, doeu muito, e de repente desapareceu-lhe familia e amigos que rotineiramente se reuniam em sua casa. Todos desapareceram, até o seu cão, e , na sua dolorosa solidão, chorou como quando em criança , com o seu encardido urso de peluche.Cascatas de lágrimas , rios de desespero, mares de solidão. Virou então para etapas de paixão seguidas de desilusão, seguidas de alguma estabilidade (passou pelo associativismo e foi membro dos “Amigos de Onan”, editores do jornal “A mão amiga”, até se afundar no atoleiro do dever mais uma vez, do dever ser alguma coisa de decente, e casou-se com Popeia, a bela, filha de um merceeiro coxo, para passar anos ao fim dos quais daria uma velinha á virgem para se desembaraçar da sua esposa, o que veio finalmente a acontecer graças a um milagre. Foram momentos de liberdade e alegria, mas Matinho era muito tímido e não conseguia declarar-se a uma paixão, assim como não conseguia dizer não a uma não-paixão na qual tivesse algum conforto. Conforto maternal, equilibrio afectivo na base de pantufas e comida muito condimentada, o que lhe provocou bcrónicas hemerróidas, E continuou pela vida for a a embrulhar-se em situações das quais não conseguia sair nem perceber exactamente o que queria.
No botequim de café, licores e bagaços do gordo Ginja bebia algums copos em silencio e serôdea contemplação. As moscas voltijavam em piruetas manetas e ziguezagueavam até se atolarem em pegajosas tartes de crème. Mátinho olhava-as com simpática cumplicidade e esvaziava o seu livro de confidencias aos multioculares insectos, que em vão se tentavam libertar. Isto é a história da minha vida, pensava Mátinho.
Sentiu-se apesar de tudo feliz, pelo que tinha vivido e pelo que pressentia que podia ter vivido. Tinha um coração, de cortiça, talvez, mas um coração…
Um zumbido constante e agudo devolveu Luis Matinho Mendonça ao mundo normal.
Estava na agência de sonhos Sonholindo, um buraco deprimente pertencente a um compadre lá da Terra, que fazia negócio na metrópole com máquinas de sonhos novas e mandava as velhas para as colónias.
A comissária de bordo propôs-lhe uma dose de coca-caféina, que ele absorveu, completamente estremunhado.
—São quarenta créditos, agente Mendonça.
Ela tinha uma voz de uma flauta de bisel tocada por uma criança de três anos. Mátinho Mendonça passou o cartão maquinalmente, meio envergonhado. Entramelou a voz, tinha a saliva pegajosa como cola de contacto.
—Vocês não guardam a gravação? Eu quero uma cópia, mas destroiem essa merda. Não há mais nada para ninguém.
—É absolutamente confidencial. Só os guardamos se o desejar. Há muita gente que os utiliza até como instrumento de trabalho, para o modelador mental, é muito bom para o modelador, ele analisa estes dados que estão aqui e traça –lhe um perfil psicológico.
—Destruam, Quero uma cópia. Pronto . Eu não estive aqui. Quanto tempo é que isto demorou?
- Três horas, sete minutos e onze segundos, Inspector.
- Toma lá um crédito legal para ti e não dizes nada e destrois essa porcaria, hã?.
- Obrigado
- Obrigado o caralho. Se eu sei que isto salta daqui vais parar ao congelador. Adeuzinho. Não dizes nada.
- Obrigado
- Obrigado o caralho. Se eu sei que isto salta daqui vais parar ao congelador. Adeuzinho.Não dizes nada.
- Obrigado
- Obrigado o caralho. Se eu sei que isto salta daqui vais parar ao congelador. Adeuzinho.Não dizes nada.
- Obrigado
- Obrigado o caralho. Se eu sei que isto salta daqui vais parar ao congelador. Adeuzinho
—Odeio estas repetições, pensou Matinho.
Saiu apressadamente da agencia de sonhos sentimentais para respirar o ar rarefeito da pequena cidade colonial. Apesar de tudo, aquela injecção de sentimentos fazia-lhe bem. Curiosamente, tornava-o mais duro, mais resistente.
A madrugada Arcadiana misturava os violetas e laranjas em enxames de moscardos cripticos num zumbido doce, embalando os pregões das vénus locais. Ás trinta da manhã já estava um calor de derreter chumbo.
—Ralé imunda e aterradora, pensou, mas talvez mais próxima dos produtos desta agência infecta. Caraças!
Frasco subiu a escadaria com o seu andar rápido, desarticulado e coxo, tirando o velho chapéu de kilton perante o mestre. Mendonça sentiu uma vaga e mesquinha irritação.
- Caspite! Ainda andas com esse chapéu seboso… Mas tu não reciclas nada? Safa!
- Só tem dois dias, divino Mendonça…
—Dois dias? Essa porcaria mete nojo, tem quase duas semanas. Vais parar ao instituto higienista em menos de um peido.
O Frasco era sempre a mesma merda.
— O que é que tu queres da vida, Frasco? Estás a criar uma população de germes? Queres ser o seu líder e dominar o universo?
- É…Pois….Quer dizer, é que já não se fazem deste modelo e eu afeiçoei-me a ele. É eficaz contra o Hélio e e esta porcaria desta atmosfera de maluquinhos, Doutor Mendonça.
- Afeiçoaste-te? Pensas que ninguém nos está a ouvir,ó ratazana merdosa ?
- Se alguém por acaso reparar que tems um chapéu decontinuado quem vai levar na ripa sou eu, desgraçado! Já fizeste o chefe turra falar? E as mulheres? Deixaste alguma pra mim?
Mendonça não brincava em serviço. Os seus gafanhotos projectavam-se impiedosos sobre a face esquálida do subordinado fiel.
Ontem estivémos até ás quatorze da manhã a enfiar-lhes com soro 25 e alucinogénios variados, além da dama de ferro, Das ratazanas rabo acima e de os pôr a ouvir Graciano Saga durante 24 horas, e o resultado é que entraram mudos e sairam calados. É uma raça de anormais. Treze mulheres já estão no reino vegetal. Ah, atenção! tivemos relações sexuais com elas mas ainda mais ou menos vivas, como é das novas normas, mas pronto, aquilo só visto, são esquisitas mas esquisitas comó caralho mesmo. Só que quando tentámos reciclá-las a porcaria do colector empanou, doutor. O triturador deve ter empancado. Temos que pedir á Metrópole um colector minimamente compativel com esta atmosfera de malucos. A culpa não foi nossa…
Mendonça observava plácidamente o seu subordinado. O seu semblante gélido costumava paralizar os mais temiveis Gorgones canibais e Zurriatis comedores de homems, mas Frasco não se dava conta do estado de nervos do chefe e continuava a sua descrição dos factos no seu linguajar cicioso e popular.
—És um tipo do caralho, Frasco, um tipo do caralho.
Mendonça enfiou-lhe um directo ao estômago e uma cabeçada na prótese nasal, mas desiquilibrou-se, arfou, sem ponta de oxigénio nos pulmões, tossiu convulsivamente e puxou da bombinha de atmosfera terrestre, que inalou sofregamente, até proferir as caridosas e paternais palavras:
—Pronto. Aquilo que me fazes fazer… Desculpa lá, é a merda da máquina de sonhos. Põe-me esquisito.
Frasco agarrou-se ao nariz e torceu um sorriso.
—Não importa, chefe, a prótese já tinha quase uma semana…
Soltaram os dois uma gargalhada em câmara lenta e desceram a imaculada escadaria de Plynom azul a voar, até aterrarem nos assentos do descapotável Gnomon novinho em folha, com cinquenta cilindros em Z e três milhões de cavalos que Mendonça tinha encomendado na tarde passada no Planeta Sogoma. Partiram á velocidade da luz em direcção ao quartel general provincial.
Á chegada, um silencio pesado envolvia a estrutura maciça, inteiramente confeccionada em gosma de konvaja tranlucida. Nem um pio ecoava na densa floresta circundante. No alto de uma árvore, um cleacchepantropo de crina transparente, abrindo as narinas, mostrava o sexo azul num tom de desafio aos dois terrestres, emitindo um son que ficava entre a gargalhada da hiena e os sons de exitação impaciente do chipanzé. Á entrada do complexo depararam-se com o pessoal num avançado estado de decomposição, os menbros retorcidos como se não tivessem estrutura óssea, os olhos abertos e sangrantes, numa expressão que parecia dizer: Porquê? Qualquer coisa de terrivel tinha passado por ali.
- Estão equipados com o dispositivo de auto limpeza, bradou Frasco. Nem precisamos de os pôr no colector. Calha bem…
Um calduço bem dado interrompeu as meditações do lugar-tenente. Era Mendonça, sempre atento.
—Vai-me buscar a merda do spray antimetabólico, já! Temos que saber que merda se passou aqui! Foda-se um gajo sai do trabalho um pintelho e volta e está tudo de pernas pró ar! Eu fodo estes tipos!
Frasco aplicou o spray num dos agentes coloniais locais.
—Ao menos salvavas um português ó anormal!
—desculpe, chefe…
O agente colonial falava com uma pronuncia cerradíssima no meio de vómitos de gosma roxa. Algumas palavras faziam sentido, outras não.
- Os Turras… Clic….A mãe do Universo…rrrrrr…a selva…A mãe! Rrrr..Tudo fodido…tudo fodido…
Mendonça abanava fortemente o pescoço do selvagem
—E nós a trazermos a civilisação a estes ingratos e estes filhos da puta nem sabem falar português nem depois da merda do acordo ortopédico. Dá vontade de os matar a todos…Matar…Morre!
Mendonça tinha tentado controlar-se, mas afloravam-lhe á mente pensamentos em torno dos créditos gastos na agência Lindosonho, a difícil traição de Mirita, em combinação com o descalabro ocorrido no quartel, a abominável face do ignóbil ser alienígena e o seu pobre domínio da lingua portuguesa….
Um pouco de estupidez natural fez o resto. Um espasmo sacudiu o corpo contorcido e feio do extra-terrestre. Luis Mendonça, suando cascatas de suor nacional, Desabafou, tristemente:
— ás vezes pergunto.me o que é que um gajo está aqui a fazer.
Os sons selváticos da floresta pararam imperceptivelmente e os sete sóis iluminaram a clareira amarelada.
Olhou para o cadáver e uma sombra de sorriso iluminou.-lhe a face. Uma fresca e venturosa brisa parecia ter despontado, silenciosa e cheia de promessas.
—Isto é que é vida, Frasco! Matar Terroristas extra terrestres á mão, sem intermédio de substancias químicas. Somos previlegiados. É por isso que estou na colónia. Nunca saberia ficar na metrópole, a introduzir dados, atulhado em computadores, os prisioneiros naquele monstro da máquina da verdade, tudo automático…Aquilo faz tudo sózinho… E onde é que está o gozo? Onde é que está o sangue? Onde está aquilo que fez de nós os pioneiros da aventura ultra-estrelar?
Os pensamentos de Luis Mendonça desataram a dançar no ar tépido da floresta virgem.
—È certo que do sistema solar de Orion só ficámos com menos de dez por cento do que decobrímos. Os marcianos e os amaricanos acabaram por extorquir o que era nosso por direito, através de traições e maquinações variadas. Isso aconteceu também na nossa pré-história, Frasco, com as colónias que tinhamos na Terra. Eu leio, Frasco, eu leio. Tenho lido muita coisa. Anda. Vou mostrar.te uma preciosidade.
Por vezes Mendonça lamentava verdadeiramente não ter ninguém com quem falar sobre a história de Portugal e o seu devir messiânico, mas por outro lado não conseguiria tolerar subordinados mais do que semi-inteligentes. A esperteza nas classes inferiores cheirava-lhe sempre a comunismo. Se ali estivesse o doutor Maia, o seu mentor…Mas Maia era Director geral e passava o tempo nas burocracias metropolitanas.
Para Frasco, o monólogo do chefe tinha entrado por um ouvido e saido pelo outro, no entanto, e por precaução, acenou tímidamente que sim e balbuciou um reverente “Sim senhor”.
Entraram no escritório castanho-doirado de Luis Mátinho Mendonça, todo em madeiras preciosas locais. De uma gaveta tirou três objectos. Eram livros.
—Qué isso, chefe?
—Isto, Frasco, são livros, feitos em papel.
—Papel?
—Papel, frasco, papel. Vale uma nota prêta. Diz aqui: “Portugal e a sua vocação messiânica”. E neste: “Portugal,a Pátria e a Raça” ou neste: “Tarzan Taborda, um dos maiores dez portugueses de todo o sempre”.
—Ah, isso tem letras…
—Sim, tem letras.
Mendonça estava agora melancólico. Era a raça de homems como Frasco que tinha tripulado as naves guerreiras que tinham descoberto e controlado o monopólio de Turâneo no sistema de Orion e era a raça de homems como ele, Luis Mendonça, que tinha organizado e inventado todo esse sistema. O que restava de tudo isso? Restava passar á acção.
—Comunica com a distrital e pede reforços, se possivel com efectivos de primeira. Não quero arcadianos. Estão todos feitos com os terroristas. Equipa o tanque rabijador. Vamos atrás desses turras e vamos fazê-los pagar. Quem está atrás disto é a tal Mãe. Vamos vêr quantas são e …
—Acho que Mãe, só há uma, chefe…
- O que é que tu sabes dessa merda?
—Era o que diziam os terroristas, que há uma grande Mãe e que domina toda a zona da floresta pantanosa e inpenetrável do baixo-Kiongo, onde se desenvolveu uma civilisação, com prédios de apartamentos, casinos e tudo….
—Isso é o que se chama um mito indígena, cabeça de merda. Vamos lá com uma missão: Eliminar e destruir! Despacha-te!
Caminhou até ao observatório, que ficava sobre ums rochedos escarpados na orla da clareira do quartel, com o fim de cumprir o seu intervalo de meditação. Queria falar com o seu mestre, o doutor Maia. Este tipo de comunicação necessitava da mais absoluta concentração e envolvia a colocação de uma pedra de rádio sobre um dispositivo na cabeça, a posição de cócoras, de preferencia sobre equipamento sanitário e uma mão em cada polo de uma pilha de Cyberg. Mendonça seguiu os procedimentos e concentrou-se o mais que podia, mas não conseguia estabelecer comunicação, a humidade impedia a passagem da corrente hipovoltaica, até que pequenos estremecimentos indicaram o princípio do processo. Mendonça estremecia agora em convulsões ritmadas até uma enorme e translucida elipse de luz se plantar á sua frente e surgir, pouco a pouco, uma figura de porte aristocrático. Era Maia. Vestia uma capota alentejana branca, de corte impecável e absolutamente imaculada, que exalava uma luz difusa e bruxuleante.
—Quem manda?
—Portugal, Portugal,Portugal!
—Quem vive?
—Alcazar, Alcazar, Alcazar!
—Que a força esteja contigo, meu irmão. Se aqui estou é porque a Pátria corre perigo.
O olhar do grande português percorreu filosóficamente a sala prescutando finamente cada canto.
— Este ambiente é-me…Curiosamente, familiar. Assisti á construção deste quartel, há três séculos atrás… Grandes tempos! A construção de um Império a partir do quase nada. A malta em tronco nú, meia dúzia de mulheres canibais sob a força do chicote, mordendo os rudes troncos de madeira do açaime, o triunfo da razão sobre a matéria bruta. Morria uma, substituia-se por outra, até á total extinção da espécie. Total? Parece que não.
Mendonça embebia-se do génio do seu mestre, num muito longo ansejo de cultura. O seu tom de voz modificava-se quando falava com Maia e algumas palavras surgiam com um tom agudo extremamente imnapropriado.
—Desapareceram desta região pouco depois desse tempo, mas parece que ressurgiram por trás dos vários acontecimentos bizarros ocorridos em vários quartéis desta colónia. Segundo o meu ajudante Frasco, existe uma tal Grande Mãe que estará implicada nestas desordems. Existem aliás já algumas vilas que não respondem aos meus repetidos apelos via rádio e é possivel que se esteja a dar uma sublevação, que se alastre a outras tribos arcadianas. Receio mesmo já não poder confiar nos ajudantes aborígenes a traição está por todo o lado
- Tems razão, Luis. Alguem anda a tentar acabar com este nosso sonho de um grande Portugal e a sublevar estas províncias. Veremos que potências estrangeiras estão por trás disto. A Espanha, sem dúvida, a Inglaterra, mas também Marte, Neptuno a União das Républicas Socialistas de Saturno e o resto do Mundo.
- Por vezes parece-me que esta tarefa é demasiado grande para mim. Sinceramente, Dr. Maia, há horas em que desespero. Como poderemos, sendo tão poucos…
De repente sente-se um ruido de trovão em sensurround e aparece um objecto vertical flutuando no espaço, do qual saiem raios aterradores. Tem a forma de uma moca de Rio Maior em titâneo maciço.
—O cacete de Kaulza!
—É Verdade. O mágico e mítico objecto, só transmissivel a um grão mestre da Policia da Pátria (P.P.) é te oferecido pelo espírito dos nossos antepassados. Espero que estejas á altura dos teus novos poderes. Que a força na verga esteja contigo!
—Juro pelo que é mais sagrado defender a Nação dos estrangeiros, dos terroristas e dos abichanados até á última gota do meu sangue!
Uma explosão de luz ribomba pelas traves mestras do edifício, fazendo Luis Mendonça perder a consciência. Num turbilhão, revê a face de Mirita e de todas as outras mulheres que não teve na vida a não ser na máquina de sonhos.
Uma luz branca numa sala branca cheia de equipamento electrostásico branco fazem-no estremecer debaixo dos lençois brancos. A mão de uma enfermeira pálida vestida de branco pousa na sua testa exangue. Automáticamente, leva a mão á vagina calva da enfermeira e mergulha algums dedos no mel viscoso do seu interior, ouvindo confusamente uma resposta, ao longe como se num corredor a centenas de metros— “ai, senhor doutor, hoje estamos muito vivaços”
E a vagina encosta-se agora á sua boca e lambe e bebe o mel cor de pérola e enfia-lhe dois dedos grossos com o anel de brasão pelo recto acima.ela urina copiosamente na sua cara e ele gargareja com prazer infantil. Agora ela sorve-lhe o pénis proteico com vigor profissional e enfia-o dentro da sua terceira vagina, na testa. Então a sua vagina proboscidia começa a sugá-lo até que o corpo de Luis Mendonçaestá já metade enterrado dentro do ventre da mulher, que quase o engole completamente no momento em que Frasco aparece. Desesperadamente, atira sobre a abominável indígena mas os titos são absorvidos pela sua pele. Depois de sonhar com a historia de Jonas e da baleia, Mendonça toma finalmente consciencia do que se está a passar. Que fazer?
—A moca, Frasco! Onde está a moca?
Um objecto prateado ilumina-se e move-se até á unica mão livre de Mendonça. É a moca. Acto contínuo, prega umas rudes bordoadas na falsa enfermeira e consegue libertar-se. A mulher canibal (pois de tal ser extraordinário se trata) rebenta com a falsa pele de enfermeira e revela-se em todo o seu esplendor: Dois metros de carne sedenta de sexo, com os seus pelos púbicos que vão da área mamária até á altura dos joelhos, vaginas multiplas rodopiantes e, é justo dizê-lo, um certo charme boçal, de dar tesão aos habitantes da capela dos ossos em Évora (Portugal). A bicha solta um urro aterrador e num ápice desaparece pela janela. Frasco nem teve tempo de compreender a situação.
—Chissa! É de meter os cabelos em pé, chefe!
Luis mendonça tira da sua mariconete um cigarro de tabaco turaniano extra longo, acende-o com o isqueiro Ducon em plástico maciço e aspira uma baforada com semblante pensativo. Num momento de volupia solta o fumo em forma de O no ar nauseabundo da enfermaria e solta um ah!
—Ah!
—Oh, era uma bela moça, chefe, a verdade é que terrorista ou não…
—Hum…Há mais donde esta vem. Isto pode dar negócio. Já pensaste, Frasco, no que se poderia ganhar com um bordel onde actuassem estas selvagemzitas? Estas anormais são um balurdio em qualquer casa do género.
—Toda a gente lá ia parar, chefe. Mas elas são perigosas..
—Mas eu, Luis Mátinho Mendonça posso programá-las para darem o litro sem paparem o freguês. Compreendi que o meu charme não é indiferente a estas comilonas implacáveis. Sabes o que é olhá-las nos olhos e perceberes que tems poder e uma tarefa onde o podes usar da melhor maneira, tanto para servir Alcazar como o proveito próprio?
—Mas, chefe…
—Temos que dar instruções precisas aos reforços para não as matarem nem as danificar. Podemos montar a maior casa de putas da galáxia.
Os olhos do inspector Luis Mendonça esbugalharam-se sob as lentes grossas de míope e um pouco de baba branca escorreu do canto do seu lábio inferior.
—Serei rico…infinitamente rico…E talvez encontre finalmente a minha álma gémea.
—Eh…Mas isso seria usar meios do estado para proveito do chefe…
—Frasco, não te vou dar um bofardo nas ventas porque me sinto estranhamente feliz. A iniciativa privada, neste caso, e como quase sempre, une-se ao serviço á Pátria com resultados sensacionais para os dois. E ,é claro serás sócio minoritário, com a responsabilidade acrescida de ter sempre o equipamento sanitário a brilhar…
No horizonte apareceram as velhas naves de guerra “Condestável”. Os reforços da metrópole tinham finalmente chegado e, como de costume tinham ligado a altos berros a marcha nº 3 de John Philip de Sousa. No percurso destruiam algumas barracas indígenas para impor respeito.
—O respeitinho é uma coisa muito bonita, Sentenciou Frasco.
Da nave capitã deseu um homem coma cara coberta de cicatrizes, com o cabelo compriso e um lenço atravessado ma testa. Era o major Nando, um dos maiores portugueses já vistos neste canto esquecido do universo. Homem de pouca conversa e de muita pancada. Era afilhado do inspector, filho de uma virgem morta em condições misteriosas numa criação de porcos em Santa Marta de Penaguião e tinha sido prácticamente adoptado pela caseira da família. Quando falava parecia têr dois tampões na boca, junto aos molares, tal a sua pronuncia era farçola.
—Gande Luix Mendonça!
—Meu pequeno, como estás? Ouvi dizer que fizeste grandes coisas em Melmak!
—Só cumpi o meu dever, inxpector. Limpei o x áquela diarreia comunista.
—Sim senhor, sim senhor. Agora a diarreia é outra, e é preciso ir a pizar ovos. Existe nas profundezas abissais das pantanosas florestas de Koina, no desfiladeiro de Moyta, uma tribo de mulheres um pouco…canibais. Mas não são pr´priamente comunistas. São selvagems e devem ser pacificadas
—O pad’inho xabe que tanto me fax ape’tar a ga’ganta a um turra como esvent’ar uma tipa…
—Eu sei, ó Fanan, mas neste caso vamos devagarinho. A vida destes seres pode ser de interesse vital para a Pátria.
—Tudo bem, pad’inho. O pad’inho é que xabe.
O inspector empoleira-se no leme de uma nave e discursa ás tropas no seu estilo messianico e arrebatador
—Rapaziada! Esta é uma missão difícil. Esta é uma missão que enobrece a raça e dará fama a esta companhia. Seremos bravos, corajosos, mas também amigos destas pobres selvagems que tanto necessitam de alguem que as guie para Cristo nosso Senhor e para os valores da nossa civilisação.
Para a Koina, e em força!
Fim do primeiro episódio
Não perque o episódio seguinte, “Os emissários de Tokalon”.