O ESTRANHO CASO DAS PROJECÇÕES MENTAIS
Lá fora, pela débil iluminação intermitente da luz amarelada candeeiros públicos, negoceiam-se broches e outras fodas, as prostitutas idosas, os marinheiros bêbados.
Um Bóbó 20 euros! E é sem engolir. A engolir é trinta!
Subindo a parede do prédio decrépito, num pateo das cantigas moribundo, está a janela de José Júlio, os estores assimétricos, quebrados, velhos. Entrando pela frincha da janela aí o temos, zebrado pela luz exterior, virando-se irrequieto num sono mau, suando na almofada amarelada de sujidades e secreções. O quarto pequeníssimo mal dá para a cama onde dorme vestido, os pés de fora. Os ratos prosseguem as suas procissões na vã busca de qualquer côdea, qualquer migalha, com sorte uma barata.
Os gatos miam de sio, emitindo um som de bébé abandonado há quatro dias, indiferentes ao tique taque rombo do despertador ferrugento.
No seu sonho JJ está aprisionado numa tela de pintura a óleo. Tenta mover-se em vão. O pintor, Orgasmo Carlos, dá-lhe os ultimos retoques, exibindo um sorriso sardónico. A sua namorada, Frígida, solta um pequeno riso benevolente.
— Que figurinha é esta? porque se mexe?
— Não percebo. deve ser da merda destes tubos de tinta baratos. eu já lhe digo! Vamos lá ver agora se te mexes (saca de uma caixa de alfinetes e prega-os nos cotovelos e joelhos do homunculo, que emite um quase imperceptivel gemido- depois disso afasta-se)!
— Bem, o que é que há para comer?
— Temos que ir comer fora. a perdiz queimou-se completamente.
— E quando arranjas uma criada? Ora merda para ti puta do caralho! não és capaz de fazer um caralho de merda, foda-se vou á merda do restaurante e tu ficas aqui e se quiseres comes aquele carvão, tou-me a cagar!
A rapariga observa tristemente o homemzinho que se debate, põe-lhe delicadamente o dedo na cabeça. o dedo fica sujo de óleo.
— Não sofras mais, homemzinho. Eu também estou triste, como tu. Olha vou tirar-te os alfinetes.
JJ olha para a cara enorme da rapariga, que parece navegar num mar de calma e beleza.
FIM